top of page

Qual a metragem ideal de moradia?

Senta que lá vem a história! Esse artigo é grande, mas garanto que vai valer à pena!


Uma casa de 15m2 foi anunciada pela prefeitura de Campinas para atender a população de baixa renda na cidade. Fiquei surpresa ao ler a manchete da notícia que alardeava que a população queria mais desse tipo de moradia. O nível de carência por um teto, segurança e acolhimento é tão grande que muitas vezes nos esquecemos que as referências e realidade das pessoas são muito diferentes. Tudo isso me fez lembrar do tema do meu TCC na pós-graduação que era justamente sobre o impacto da redução da área de habitação nas atividades cotidianas da pessoa idosa.


Meus vícios acadêmicos me impõem a colocar alguns conceitos no papel para que fiquemos todos na mesma página, então vocês irão tropeçar em vários deles por aí.


De acordo com a Organização Mundial de Saúde a habitação é o lugar onde se vive e deve ainda garantir espaços interiores e superfícies planas que permitem liberdade de movimentos em todas as divisões e passagens. Também é importante levar em consideração que as pessoas, e no nosso caso de estudo as pessoas idosas, tenham espaço e privacidade em sua casa. O conceito é ainda individualizado e reforçado pelas Nações Unidas, abarcando tanto a escala da cidade, reduzindo ao bairro, à rua e chegando à casa propriamente dita.


A casa possui vários símbolos para todos nós, mas principalmente para a pessoa idosa, significando aconchego, família, vida, conquista, reconhecimento da própria história e sensação de pertencimento. Além disso, representa segurança e liberdade, por estar intrinsicamente ligada à visão de qualidade de vida.


Das treze atividades elencadas como atividades básicas da vida diária (ABVD) e atividades instrumentais da vida diária (AIVD), pode-se dizer que pelo menos 11 delas podem ser afetadas pela configuração do domicílio.


ABVD e AIVD pra quem quiser saber quais são! ;)

  • tomar banho,

  • se vestir,

  • usar o vaso sanitário,

  • transferir-se (da cama para a cadeira, por exemplo),

  • se manter continente (entra as questões de incontinência urinária e fecal),

  • se alimentar,

  • comprar alimentos,

  • preparar alimentos,

  • realizar tarefas domésticas leves e pesadas (lavar roupa, fazer faxina, organizar a casa...),

  • ir a outros lugares sozinho,

  • usar o telefone,

  • tomar os próprios medicamentos e

  • manejar dinheiro

Por que trago esses conceitos? Por que eles são algumas das ferramentas que usamos para mensurar a qualidade de vida que temos! Isso sem falar no que é considerado básico para as pessoas e que não é levado em conta! Que espaço você PRECISA ter em casa para fazer o que gosta?



Voltemos aos números. As pessoas passam 80% a 90% do seu tempo em ambientes construídos, ou seja, em média 20,4 horas por dia, sendo que deste tempo uma grande parte é despendida dentro de casa. No Brasil não há um dado oficial do tempo que as pessoas passam em casa, mas os números de pesquisas realizadas na Alemanha, Estados Unidos e Canadá são muito próximos entre si, em torno de 15,7 horas por dia gastas dentro do domicílio por pessoas de todas as idades.


Considerando ainda que 83,16% das pessoas idosas moram em áreas urbanas é relevante considerar o fenômeno de minimização dos apartamentos e casas atualmente comercializados. Isto impacta diretamente no espaço funcional dos mesmos e na forma de morar e usar estes espaços em suas atividades diárias.


Este fenômeno pode ser observado tanto nos programas habitacionais financiados pelo governo, como em Campinas, como nos empreendimentos imobiliários habitacionais da inciativa privada. Em ambos os casos se observa uma busca por uma construção de baixo custo. Seja para aumentar os ganhos financeiros, no caso da iniciativa privada, ou para que um número maior de habitações possa ser construído com a verba limitada disponível, no caso do poder público.


No Brasil, nos anos 60, a metragem média de um apartamento de dois dormitórios era de 140m2, mas esta área foi sendo reduzida ao longo dos anos com a padronização da construção e da otimização dos espaços. Atualmente no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) do governo federal, uma planta padrão de uma casa (de dois dormitórios) possui 33,7m2 de área útil. Uma área inferior ao mínimo exigido em países como Argentina (44,2m2), Espanha (40m2), França (56m2), Inglaterra e Gales (67m2) e Portugal (47m2). Isto fica mais evidente nos países com uma renda per capita maior onde o programa brasileiro possui uma área útil mínima inferior em 43% se comparado com a França e 52% se comparado com a Inglaterra e Gales.


Considerando a população idosa deve-se considerar que este quadro se agrava devido ao fato da maior parte das pessoas acima de 60 anos ainda dividir a casa com os filhos e parentes, sendo 19,7% deles responsável pela família. Isto ocorre em função da realidade econômica adversa onde as próprias pessoas idosas são os mantenedores principais das despesas da moradia, além de questões culturais do Brasil. Em alguns casos isto pode ser considerado uma fonte de estresse, onde o sênior pode sentir seu espaço pessoal invadido e ter a sensação de superlotação afetando sua noção de privacidade e tendo a necessidade de isolar-se em alguns momentos do dia.


Vale ressaltar que os arquitetos determinam a dimensão dos espaços conforme sua função. De acordo com a ONU uma casa deve atender completamente atividades como proporcionar descanso, proteção contra condições climáticas adversas, facilitar a preparação de alimentos, garantir higiene pessoal e oferecer condições para lavagem de roupas. Esse conceito anda alinhado com as atividades que comentei anteriormente no artigo. No entanto, ao longo da vida, a pessoa que habita estes espaços pode alterar a função de uso do mesmo, o tornando inadequado e impactando suas atividades. Vemos então que o assunto é ainda mais complexo, não se restringindo a questões e áreas mínimas.


Mas estamos em busca da área mínima ideal, então vamos buscá-la.


De acordo com as pesquisas mundialmente feitas pela OMS o excesso de pessoas na moradia é identificado como um obstáculo para as pessoas idosas. No caso de Campinas, as pessoas interessadas na moradia em questão informaram que vão morar com mais membros da família no mesmo espaço, chegando a 7 a 8 pessoas nesses 15m2. A própria OMS fala que a superlotação em uma moradia leva a um grande risco para patologias sociais e sintomas mentais, e aumenta o risco de transmissão de doenças infecciosas. Mas o que é considerado superlotação em um ambiente? Nesse levantamento feito conseguimos ver alguns parâmetros considerados ao redor do mundo:


Fonte: WHO - Housing and health guidelines (Genebra, 2018)


Em minhas experiências ao projetar residenciais para pessoas idosas conversei com muitos usuários e suas observações em relação à moradia. A área pequena, de uma forma geral, não incomoda contanto que ele consiga realizar todas as atividades realizadas em uma residência tradicional. De uma forma geral a área pequena só é aceita, ou considerada, se eles forem morar sozinhos. Quando a situação é de um casal ou mais pessoas morando no mesmo espaço a questão da privacidade e individualidade é imediatamente colocada na mesa e a necessidade de portas começa a surgir. Áreas de armazenagem pequena também é uma preocupação constante, uma vez que acumularam objetos e móveis ao longo da vida. Realizar algumas tarefas com conforto, como lavar roupa e cozinhar também pode ser um desafio em espaços compactos. O número mágico que pedem gira em torno de no mínimo 65m2. Bem longe da metragem de Campinas e de alguns imóveis do Minha Casa, Minha Vida.


Resumindo, fica a dúvida. Uma casa de 15m2 é capaz de abrigar seus moradores sem a sensação de superlotação, permitir todas as atividades de vida diária, dar privacidade e respeitar a individualidade dos moradores, ser acessível e manter circulações adequadas, possibilitar interação com a sociedade em seu entorno, possuir área de armazenagem adequada, e assim vai?




 

Tinha muito número e afirmações nesse artigo, né? Tudo resultado de muuuuita leitura e estudo. Não tirei nada da minha cabeça. Então aqui vai a bibliografia.


Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Brasil - Uma visão geográfica e ambiental no início do século XXI. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; 2016.


World Health Organization. International Workshop on Housing, Health and Climate Change: Developing guidance for health protection in the built environment mitigation and adaptation responses - Meeting Report. Geneva; 2010.


World Health Organization. WHO Housing and health guidelines. Geneva; 2018


Dahlin-Ivanoff S, Haak M, Fänge A, Iwarsson S. The multiple meaning of home as experienced by very old Swedish people. Scandinavian Journal of Occupational Therapy. 2007;14(1):25-32.


United Nations. The right to adequate housing for persons with disabilities living in cities - Toward inclusive cities. Nairobi: United Nations Human Settlements Programme (UN-Habitat); 2015.


Agnelli L. Avaliação da acessibilidade do idoso em sua residência [Mestrado]. Universidade Federal de São Carlos; 2012; 50-69.


Şahin A, Tekin O, Cebeci S, IŞik B, Özkara A, Kahveci R et al. Factors affecting daily instrumental activities of the elderly. Turkish Journal of Medical Sciences. 2015;45:1353-1359


McDowell IW, Newell C. Measuring health: a guide to rating scales and questionnaires. 2. ed. Oxford: Oxford University Press; 2006.

Brasche S, Bischof W. Daily time spent indoors in German homes – Baseline data for the assessment of indoor exposure of German occupants. International Journal of Hygiene and Environmental Health. 2005;208(4):247-253.

Mendonça R, Villa S. Apartamento mínimo contemporâneo: desenvolvimento do conceito de uso como chave para obtenção de sua qualidade. Ambiente Construído. 2016;16(4):251-270.


Boueri JJ; Pedro JB; Scoaris RO. Análise das exigências de área aplicáveis às habitações do programa Minha Casa Minha Vida. In PEDRO, J. Branco; BOUERI, J. Jorge (Coord.) – Qualidade espacial e funcional da habitação. Cadernos Edifícios n.º 7. Lisboa: LNEC, 2012. pp. 89-106 (17)

Folz, Rosana Rita. Industrialização da habitação mínima: Discussão das primeiras experiências de arquitetos modernos – 1920-1930. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 12, n. 13, p. 95-112, out. 2009. ISSN 2316-1752. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/Arquiteturaeurbanismo/article/view/777/740>. Acesso em: 24 Jul. 2017


Villa, Simone Barbosa. Morar em apartamentos: a produção dos espaços privados e semiprivados nos edifícios ofertados pelo mercado imobiliário no século XXI em São Paulo e seus impactos na cidade de Ribeirão Preto. Critérios para Avaliação Pós-Ocupação [Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAUUSP; 2008.


Barbosa E. O BNH e a verticalização em São Paulo: A CIA HINDDI [Dissertação]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie; 2009.


Melo N, Teixeira K, Barbosa T, Montoya Á, Silveira M. Household arrangements of elderly persons in Brazil: analyses based on the national household survey sample (2009). Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia. 2016;19(1):139-151.


Heimstra N, MacFarling L. Psicologia Ambiental. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 1978 p 36.


Ricci N, Kubota M, Cordeiro R. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Revista de Saúde Pública. 2005;39(4):655-662.


UOL. Famílias cobram construção de mais casas de 15 metros quadrados em Campinas; https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/06/familias-cobram-construcao-de-mais-casas-de-15-metros-quadrados-em-campinas.shtml (2022)



705 visualizações0 comentário

Kommentare


bottom of page