Quando li que a exposição das esculturas do artista Amilcar de Castro seria exibida no Palácio das Mangabeiras (atual Parque do Palácio) em Belo Horizonte, logo me veio a pergunta: Seria inclusiva? Para os que conhecem a cidade e sua peculiar topografia montanhosa, sabe que os desafios de acessibilidade são sempre grandes por aqui. Além desse aspecto, fui com o olhar voltado ao bem estar e aos preceitos da geroarquitetura, onde sabemos que a inclusão vai muito além de simplesmente funcionalidade.
O que mais gosto em exposições de arte é a reflexão interior que elas costumam provocar. As esculturas em aço do Amilcar mostram como a passagem do tempo e mesmo a intervenção dele tornam as peças mais ricas e interessantes. Assim como nossa vida, elas até podem ficar restringidas e enclausuradas, mas é justamente a exposição às intempéries e o passar dos anos que as transformam e as deixam atemporais e mais belas.
Nos detalhes percebemos a beleza dessas intervenções e literalmente a marca do autor.
Suas formas a princípio rígidas, se moldam com cortes e dobraduras dando novo significado às formas e em constante mutação à medida que o ponto de vista do usuário sobre ela muda de posição.
A conexão das peças com a história de minas também se dá através do material e quando instaladas aos pés da Serra do Curral que tem sido constantemente destruída por anos pelas mineradoras, elas tomam outra proporção.
Adoro o fato do aparentemente simples se mostrar extremamente complexo nos ensinando a olhar além dos pré-julgamentos e interpretações rasas.
Mas sejamos mais práticos e voltar um pouco o olhar sobre a funcionalidade e soluções de projeto através da jornada pela exposição.
Transporte
No meio do bairro das Mangabeiras era impossível chegar de ônibus sem enfrentar uma caminhada pelas ruas inclinadas até o parque então o acesso aos com mobilidade reduzida só era possível de carro. Foi disponibilizado um estacionamento na entrada do parque e um carrinho de golfe até a bilheteria. Eu preferi parar em uma rua nas redondezas e seguir a pé e meu primeiro impacto ao entrar foi sensorial.
O cheiro de eucalipto e o barulho das árvores ao vento me levaram diretamente a uma memória afetiva da fazenda onde passei muitos feriados na minha infância.
Percursos
Uma vez na bilheteria deve-se seguir sem o carrinho de golfe e ficar por conta das rampas e elevadores disponibilizados pelo percurso. A preocupação com a acessibilidade é percebida e o nivelamento de piso para não haver degraus foi realmente executado sendo que até mesmo a instalação da guia de balizamento para que a cadeira de rodas não desviasse do caminho principal foi pensado. Apesar dos acessos construídos terem sido feito de ripas de madeira, elas estavam niveladas e não observei nenhuma ponta ou peça solta que gerasse algum tropeço pelo caminho.
Dentro do pavilhão de entrada havia bancos sempre à frente de grandes textos e a iluminação e tamanho da fonte eram adequados. Um QR code com a descrição do texto em áudio teria sido bem vindo, mas não havia nada nesse sentido.
Saindo do pavilhão as demais esculturas estavam espalhadas pela grama, onde era permitido aos visitantes caminhar. No entanto, o que poderia ser um empecilho foi compensado por pequenas preocupações do idealizador da mostra. Todas as peças estavam em áreas planas e próximas aos caminhos. Ou seja, elas podiam ser vistas de vários pontos do percurso, não sendo inviabilizada a apreciação pelo fato de não pisar na grama.
De uma forma geral 99% do percurso é possível fazer através de rampa. Quando isso não ocorre, existe um elevador disponível. Qual foi a minha surpresa ao chegar no nível intermediário e me deparar com um elevador que para a 60cm do piso!
A travessa horizontal possui uma articulação que permite sua abertura, mas como vencer o desnível? Não encontrei uma pessoa na organização que soubesse me responder, mas imagino que haja uma rampa removível que possa ser colocada no lugar. Vale a reflexão. Para que o acesso seja possível a todos, ele não deveria ser independente de ação de terceiros? Uma vez que isso não existe o percurso deixa de ser acessível, não?
Enquanto as rampas mais íngremes possuíam corrimão, as escadas ficaram desfalcadas. E foi justamente em uma delas que vi a cena da foto abaixo. Segurando firmemente no braço do filho, a senhora percorreu toda a área, dando preferência às escadas e evitando as rampas. Ao perguntar por que, a resposta foi rápida. “É mais curto e tenho como me apoiar nele” disse com um sorriso no rosto! Ela não se aventurou a pisar na grama ou na terra pelo receio da queda, mas contou que conseguiu apreciar a exposição mesmo sem chegar pertinho das esculturas.
O banheiro
Sempre que visito os locais, sejam eles privados ou públicos, tenho o hábito de checar as condições de acessibilidade dos banheiros; e aqui não foi diferente. Em função dos muitos desníveis existentes achei a presença de apenas um bloco de banheiros no piso intermediário pouco para o tamanho da área. Ao sentar no bar que fica no nível superior me vi com preguiça de descer e enrolar ao máximo minha ida ao toilete. Mas imagina quem tem pressa e precisa vencer os desníveis?Um desafio com certeza.
Mas vamos aos prós e contras. A cabine destinada a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida estava na dimensão correta e com as barras instaladas. No entanto, não havia puxador e a tranca exigia a perfeita mobilidade motora dos dedos. A porta de vidro sem proteção cria um alto risco de quebra com o contato mais abrupto de uma cadeira de rodas. Não é à toa que mesmo nas portas de madeira, conforme sugere a norma, é necessária a instalação de uma faixa de inox na parte baixa da folha para proteção da porta.
Outro desafio foi a área das pias. A bancada alta, com cuba de sobrepor e sem área para encaixe da cadeira faz a vida do cadeirante parecer com a de um contorcionista ao lavar a mão de lado. O dispenser de sabonete estava instalado em uma altura bem alta e de difícil acesso. Ponto negativo de toda a exposição ao meu ver.
O bar
O bar está localizado no ponto mais alto do parque com uma vista linda do edifício e da serra do curral. A trilha sonora delicada deixa o ambiente intimista sem prejudicar as conversas. Uma postura delicada do proprietário, aliás, que veio me perguntar se a música estava alta. Há mesas de vários formatos e posições. Algumas não são acessíveis, mas a maioria confortáveis e com acesso a cadeira de rodas. O ponto negativo é o acesso ao balcão do bar, que é feito através de escadas. Os garçons podem suprir essa falha, mas para quem gosta de sentar no balcão e ver o movimento dos bastidores como eu, seria uma perda na experiência.
E você? Já foi ao Parque do palácio? Nos conte como foi sua experiência!
Galeria
Abaixo compartilho mais algumas fotos de minha jornada pela exposição do Amilcar de Castro! Bom passeio!
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